Desde os tempos de escola ouvia falar do personagem histórico Frei Caneca. Mas pouco sabia sobre ele: hoje nome de rua decadente no centro do Rio de Janeiro, viveu no Nordeste – na Bahia, talvez? – e morreu executado por ter se envolvido em alguma encrenca contra o governo de D. Pedro I. Ou será que estou confundindo e esse é o padre que foi comido pelos índios?
Poucos anos atrás, fui turistar em Recife. Na Casa de Cultura local, antiga cadeia, vi uma tela representando a execução do frade de nome engraçado. Li, com a pressa típica dos turistas, o texto que ladeava o quadro e retive apenas duas informações: o homem era de Pernambuco e se envolveu no que os pernambucanos chamam de Revolução de 1817. Minha ciência acabava aí.
Ontem, abri um livro que me chegou por acaso. Era o Auto do Frade, do poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto, publicado em 1984. Misto de poesia e teatro – teatro em versos? – em poucas palavras o livrinho me abriu as portas da compreensão.
Caneca, na verdade Joaquim do Amor Divino Rabelo, um frade carmelita que, ao se ordenar adotou o apelido do pai fazedor de apetrechos domésticos, queria separar o Norte/Nordeste do resto do Brasil e livrá-lo da monarquia, instaurando a república. Então entendi por que o nascente Império brasileiro sentiu-se ameaçado por aquele religioso de fala solta, que arrebanhava seguidores numa das províncias mais ricas da nação que engatinhava.
Mas a poesia de Cabral não me deu apenas uma aula de história. Ou não seria poesia.
Deu-me também o alumbramento de versos como estes:
- Mas parece falar em versos.
É isso estar bêbado ou não?
- Mesmo sem querer fala em versos
quem fala a partir da emoção.